Brasil, 2013 d. C. A
verdadeira revolução em andamento não é aquela da esquerda contra a direita, ou
do socialismo contra o capitalismo, como muitos ainda supõem: estamos diante da
insurreição das compulsões passionais (ira, gula, luxúria) contra o Império da
Razão (prudência, moderação, justiça). As filosofias do perigo, nomeadamente
aquelas de marx, freud e nietzsche, são os aríetes e os lança-granadas para
demolir as Catedrais da Metafísica e da Axiologia judaico-Cristãs. Quem não
percebe as performances demagógicas e populistas dos panfletários do caos, que
pregam a eliminação não só do Cristianismo, mas de toda Hierarquia dos Bens e
de toda Consciência Moral, afirmando, aos gritos e pedradas, que a ética não
passa de uma convenção social burguesa, e que a humanidade só será livre quando
viver seu tempo na orgia báquica da história, sem Remorso ou Arrependimento? Se
não há Paraíso nem Inferno, se os homens não devem amar e temer a Deus, se toda
a fé cristã é uma ficção produzida por tipos psicofisiológicos ressentidos,
autoflagelados e esgotados, ou de burgueses reacionários que não vivem o
submundo de suas pulsões ctônicas à flor da pele, extravasando sua libido no
livre exercício da incontinência e na dissolução da carne no subterrâneo
visceral de dionísio, o único caminho a ser desbravado em direção ao abismo por
essas almas deformadas só pode ser aquele da revolução. Já que toda a
civilização cristã, com suas autoridades estatais (Democracia Representativa) e
suas instituições eclesiásticas (Communio
Ecclesiae) são as responsáveis pela degeneração da sociedade, como se os
hermeneutas da suspeita, entronados como deuses por defenderem o paganismo
greco-romano em sua versão gnóstico-órfica, nada tivessem que ver com a
exortação ao suicídio, à escravidão, à promiscuidade sexual nos cultos ctônicos,
legitimando o aborto, o incesto, o parricídio, o matricídio, o infanticídio e a
pedofilia, a juventude rebelde, esse fã-clube de Maio de 68, deliberadamente
protesta contra tudo que aí está, pois ela crê que o assassinato, o narcotráfico,
o roubo e o estupro podem estar na ordem do dia. O que é a reforma do código penal,
senão um manifesto a favor da descriminalização do triunfo dos irascíveis e
concupiscentes? Tudo será descriminalizado, para que os únicos criminosos sejam
os ressentidos, os reacionários e os recalcados, isto é, todos os cristãos ou
criaturas de razão iluminada pela fé que insistam em amar a Deus e ao próximo
derrubando as estátuas dos deuses civis: o aborto, a toxicomania, a eutanásia,
o abolicionismo penal (para latrocidas e narcoguerrilheiros) e o paradoxal “casamento”
gay (que pode consistir em um matrimônio de até 2.378 cônjuges do mesmo sexo,
se as partes contraentes consentirem, segundo o novo evangelho dos libertários).
Que crime maior pode haver, para os réprobos, do que essa Iconoclastia? Assaltar os templos dos
deuses da cidade, depredando o apolíneo mármore entalhado com a face
histriônica de nero, com o sorriso psicótico de calígula, com as mãos pedófilas
de adriano, com o olhar bestial de domiciano, com o ânus sedento de baco e o pênis
fulminantemente violador de hermes, incendiando os altares onde eunucos e
hetairas celebram a doentia paixão de rimbaud e verlaine, os crimes de jean genet
e de marcinho vp, enquanto meretrizes entoam hinos de louvor ao abusador de menores que foi mao dzé
dong e ao confesso assediador de criadas que foi schopenhauer? Lancemos às flamas
mais ardentes o busto de nietzsche, que do alto de sua moral nobre, homérica,
trágica, báquica, transvalorada, aproximava-se das mulheres com um chicote e,
imerso nas fezes de sua luciferina solidão, ao mesmo tempo em que enaltecia o anticristo
só gozava nos dosséis das zonas de baixo meretrício! Lancemos ao precipício os
retratos de heidegger, cuja filosofia é uma apologia do terceiro reino
encarnado na nação germânica, atualização da potencialidade doentia que
enferrujava nos versos de hölderlin, nessa realização de uma sociedade de
fortes que estavam abertos para sua possibilidade extrema: tomar o seu lugar no
nada. São homens de três cabeças os que se dizem sábios: com uma exigem a
supressão da sociedade de classes; com a outra impõem a transvaloração dos
valores; com a de trás clamam pelo triunfo da incontinente libido sobre a
potência racional da alma. A terceira internacional dialoga com o terceiro reich
e com o fascismo, a nova roma, porque desde plekhanov os socialistas russos
afirmam-se imperativamente como o novo evangelho, como aqueles que trarão o
apocalipse e realizarão o reino da bem-aventurança da miséria universal,
cumprindo a insanidade de joachim de fiore. Segundo aleksander dugin, o
fascista russo, a última revolução será o império do fim, quando o acéfalo
carregar a cruz, a foice e o martelo, ensolarado pela suástica eterna, o
símbolo de todos os gnósticos. A cruz portada pelo acéfalo de dugin é um
símbolo de que, para essas almas réprobas, Cristo e lúcifer são um e o mesmo: o
império gnóstico, para além da esquerda e da direita. Segundo dugin, será o
regnum ilimitado do onipresente autocrata, reino do misticismo neopagão avesso
à razão iluminada pela fé, ao sistema axiológico metafisicamente fundamentado
da cristandade, e à dignidade da personalidade individual humana em sua imagem e
semelhança de Deus. O acéfalo imporá sua voz como a do pantocrator, católicos e
judeus serão proscritos por não aceitarem o primado das embriagantes forças
ctônicas. A Santíssima Trindade será abolida do imaginário, o autocrata será
divinizado e ordenará que sejam erguidos templos para que a massa amorfa e
acéfala cultue os efebos e as hetairas abandonados à voluptuosa tirania, que
diuturnamente viola seus corpos em uma entorpecente celebração do que há de
mais vermelho no sangue revolucionário.
Contra libertários & socialistas, pela fé cristã em um único Deus, "tríplice luz que num único esplendor se reúne". Uma exortação à conversão à única & verdadeira Filosofia: conhecer & seguir, seguir & conhecer Cristo Redentor.
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
OLAVO DE CARVALHO E SUA SÍNTESE DA HERMENÊUTICA MODERNA
O método Derrida
Olavo de Carvalho Jornal do Brasil, 12 de janeiro de 2006
Jacques Derrida era judeu. Diferia dos demais pensadores judeus por duas peculiaridades: (1) seu principal guru era militante nazista; (2) seu principal discípulo também. Quando ele usou de todos os artifícios desconstrucionistas para diluir o duplo vexame, transmutando Martin Heidegger e Paul De Man em vítimas do mundo mau e seus acusadores em guardas de campo de concentração, talvez soubesse que tinha encontrado finalmente a serventia ideal do seu famoso método.
O pressuposto do desconstrucionismo é a lingüistica de Ferdinand de Saussure. Enquanto não se conseguiu descrever a língua como estrutura, como objeto, isolando-a das condições vivas da sua utilização, não foi possível inutilizá-la. A isso dedicou-se o autor da Grammatologie , movido pela ambição de provar que todo mundo antes dele estava enganado, que todos os discursos eram autocontraditórios, que não significavam coisa nenhuma e que, no fim das contas, só sobrava a “vontade de poder”.
As análises que ele faz são perfeitas, desde que você entenda que se referem à “língua” de Saussure, não à de Platão, de Dante ou de qualquer um de nós. Aquela não existe: é uma estrutura hipotética, um sistema de regras. Ler nela é impossível, porque aí o sentido de cada palavra se torna apenas a diferença entre ela e as demais, e não algum objeto do mundo, o que implica que ninguém compreenderia uma única palavra se não conhecesse todas as outras. Se fosse assim com as línguas de verdade, o primeiro bebê ainda estaria tentando aprender a primeira palavra.
Felizmente, a “língua” de Saussure não foi feita para ser falada ou escrita, apenas teorizada. Quando você compra um salame no supermercado, o que vem no pacote é um composto de carne, gordura e tripas, não apenas a diferença entre o salame e tudo o mais. Ninguém jamais comeu uma diferença. No mundo real, você pode perfeitamente compreender uma palavra sem conhecer qualquer outra do mesmo idioma. Basta alguém dizer a palavra e apontar o objeto correspondente. A língua não é um sistema: é um aglomerado fragmentário de procedimentos que só é completado pelo sistema do mundo, pela realidade em torno, na qual ela é uma forma de instalação humana, articulada por sua vez com muitas outras. Retirada desse conjunto, considerada “em si mesma”, ela se torna um sistema, mas por isso mesmo não pode mais funcionar: sem os objetos (e aliás também sem o sujeito), sobram rombos demais num tecido feito de meras diferenças; diga você o que disser, o resultado será incongruente.
O empreendimento de Derrida consistiu em traduzir mentalmente todos os livros para a língua saussuriana e, lendo-os, concluir que ficavam perfeitamente absurdos, coisa que até eu que sou mais trouxa teria lhe avisado antes se ele me perguntasse. Feito isso, porém, ele saiu vendendo a conclusão como se valesse para tudo o que os homens disseram em qualquer língua desde os tempos de Cro-Magnon até o advento de Jacques Derrida. Os pedantes que acreditaram nele acabaram falando numa língua que tem mesmo as propriedades daquela que ele descreve: está cheia de contradições e não significa nada. Quando querem convencer alguém de alguma coisa, já não podem portanto nem mesmo tentar ser lógicos e conseqüentes. Gritam frases soltas, barbaramente contraditórias, e fazem uma expressão desvairada, com olhos de fogo, mostrando como você é mau e perverso se não fizer o que eles querem. A filosofia de Derrida não é uma filosofia: é uma pegadinha. A vantagem é que aqueles que caem nela aprendem a pegar os outros e a viver disso. Você não tem idéia de quanto eles conseguem obter por esse meio em subsídios do governo, direitos especiais e proteção da polícia para qualquer besteira que inventem. Realizando assim a primazia da vontade de poder sobre o pensamento racional, provam que Jacques Derrida era mesmo o gostosão. Qualquer semelhança com o método nazista é deplorável coincidência, da qual Derrida está tão inocente quanto Heidegger, De Man, Nietzsche e talvez até o Führer em pessoa.
O pressuposto do desconstrucionismo é a lingüistica de Ferdinand de Saussure. Enquanto não se conseguiu descrever a língua como estrutura, como objeto, isolando-a das condições vivas da sua utilização, não foi possível inutilizá-la. A isso dedicou-se o autor da Grammatologie , movido pela ambição de provar que todo mundo antes dele estava enganado, que todos os discursos eram autocontraditórios, que não significavam coisa nenhuma e que, no fim das contas, só sobrava a “vontade de poder”.
As análises que ele faz são perfeitas, desde que você entenda que se referem à “língua” de Saussure, não à de Platão, de Dante ou de qualquer um de nós. Aquela não existe: é uma estrutura hipotética, um sistema de regras. Ler nela é impossível, porque aí o sentido de cada palavra se torna apenas a diferença entre ela e as demais, e não algum objeto do mundo, o que implica que ninguém compreenderia uma única palavra se não conhecesse todas as outras. Se fosse assim com as línguas de verdade, o primeiro bebê ainda estaria tentando aprender a primeira palavra.
Felizmente, a “língua” de Saussure não foi feita para ser falada ou escrita, apenas teorizada. Quando você compra um salame no supermercado, o que vem no pacote é um composto de carne, gordura e tripas, não apenas a diferença entre o salame e tudo o mais. Ninguém jamais comeu uma diferença. No mundo real, você pode perfeitamente compreender uma palavra sem conhecer qualquer outra do mesmo idioma. Basta alguém dizer a palavra e apontar o objeto correspondente. A língua não é um sistema: é um aglomerado fragmentário de procedimentos que só é completado pelo sistema do mundo, pela realidade em torno, na qual ela é uma forma de instalação humana, articulada por sua vez com muitas outras. Retirada desse conjunto, considerada “em si mesma”, ela se torna um sistema, mas por isso mesmo não pode mais funcionar: sem os objetos (e aliás também sem o sujeito), sobram rombos demais num tecido feito de meras diferenças; diga você o que disser, o resultado será incongruente.
O empreendimento de Derrida consistiu em traduzir mentalmente todos os livros para a língua saussuriana e, lendo-os, concluir que ficavam perfeitamente absurdos, coisa que até eu que sou mais trouxa teria lhe avisado antes se ele me perguntasse. Feito isso, porém, ele saiu vendendo a conclusão como se valesse para tudo o que os homens disseram em qualquer língua desde os tempos de Cro-Magnon até o advento de Jacques Derrida. Os pedantes que acreditaram nele acabaram falando numa língua que tem mesmo as propriedades daquela que ele descreve: está cheia de contradições e não significa nada. Quando querem convencer alguém de alguma coisa, já não podem portanto nem mesmo tentar ser lógicos e conseqüentes. Gritam frases soltas, barbaramente contraditórias, e fazem uma expressão desvairada, com olhos de fogo, mostrando como você é mau e perverso se não fizer o que eles querem. A filosofia de Derrida não é uma filosofia: é uma pegadinha. A vantagem é que aqueles que caem nela aprendem a pegar os outros e a viver disso. Você não tem idéia de quanto eles conseguem obter por esse meio em subsídios do governo, direitos especiais e proteção da polícia para qualquer besteira que inventem. Realizando assim a primazia da vontade de poder sobre o pensamento racional, provam que Jacques Derrida era mesmo o gostosão. Qualquer semelhança com o método nazista é deplorável coincidência, da qual Derrida está tão inocente quanto Heidegger, De Man, Nietzsche e talvez até o Führer em pessoa.
O cume do progresso humano
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 04 de fevereiro de 2008
Diário do Comércio, 04 de fevereiro de 2008
Freud costumava dizer que a história da mente ocidental tinha sido marcada por três derrotas humilhantes impostas sucessivamente às presunções do ego humano: primeiro, Copérnico demonstrara que o planeta que habitamos não é o centro do universo; depois, Darwin ensinara que o homem não é um ente superior, mas apenas um animal entre outros; por fim, o próprio Freud trazia a prova de que a consciência individual não é sequer a dona de si própria, mas o joguete de forças inconscientes.
A idéia do progresso do conhecimento como uma troca de ilusões grandiosas por verdades cada vez mais deprimentes impregnou-se tão profundamente na cosmovisão das classes letradas, que outros episódios da história das idéias foram interpretados de acordo com ela, quase que por automatismo. Entre Copérnico e Darwin, Newton e Galileu haviam ensinado que nossas impressões do mundo sensível são subjetivas e enganosas, só as quantidades mensuráveis podendo ser objeto de conhecimento certo, e Kant demonstrara a impossibilidade de saber algo de positivo sobre Deus e a imortalidade da alma. Entre Darwin e Freud, Marx evidenciara que a própria história das idéias não é senão a exteriorização aparente de interesses econômicos camuflados, Comte oficializara a proibição de perguntar sobre aquilo que não podemos conhecer pelos métodos da ciência newtoniana, e por fim um contemporâneo de Freud, Max Weber, tirara disso a mais letal das conseqüências: não só o bem e o mal são escolhas arbitrárias, mas o próprio conhecimento científico não é possível sem alguma escolha arbitrária inicial.
Nas décadas seguintes, o rebaixamento da espécie humana prosseguiu implacavelmente. O behaviorismo substituiu a noção mesma da “psique” por um conjunto de reflexos condicionados não muito diferentes dos que determinam a conduta de um rato ou, em última instância, de uma ameba. O estruturalismo e o desconstrucionismo aboliram a noção marxista do sentido da História como um resíduo das ilusões humanistas. A genética, a neurofisiologia, os modelos informáticos do cérebro e a psiquiatria de base farmacológica reduziram a nada as pretensões da própria psicologia freudiana. A ecologia mostrou o ser humano como um bicho mal comportado e destrutivo, prejudicial à natureza. Por fim, o filósofo Peter Singer promoveu os frangos e porcos a titulares de direitos humanos, em pé de igualdade até com uma criatura sublime como ele próprio.
Assim vieram caindo, uma a uma, as “ilusões narcísicas” -- como as chamava Freud – de uma espécie animal que ousara se proclamar imagem e semelhança de Deus. A história das idéias científicas, vista sob esse aspecto, é uma história da humildade intelectual.
Mas aí há três problemas.
O primeiro é que nem todas as teorias incluídas nessa narrativa são igualmente verdadeiras. Galileu fez do Sol o centro do universo, e não só do sistema solar. Marx jurava que o capitalismo iria restringir o mercado, em vez de expandi-lo. O evolucionismo continua em estado de hipótese discutível. E a psicanálise se desmoralizou tanto que Lacan, para tentar salvá-la, teve de descobrir nela uma parte inconsciente e dizer que esta, e não aquela que Freud conhecia, era a genuína psicanálise. Não tem sentido equalizar verdades científicas, erros medonhos e fantasias idiotas como degraus ascendentes de uma escalada cognitiva.
Segundo problema: cada um dos degraus dessa pretensa escalada foi galgado à custa de alguma falsificação monstruosa dos dados históricos. O esquema usado foi sempre o mesmo: embutir à força, em alguma doutrina passada, significados totalmente estranhos à época em que foi enunciada e à mentalidade de seu autor.
Copérnico nunca imaginou que o heliocentrismo tirasse “o homem” do topo do universo criado. Esta interpretação foi inventada um século depois por Giordano Bruno. E, àqueles que pretendessem tirar daí alguma conclusão materialista, o próprio Bruno advertia: façam isso, e se tornarão estúpidos ao ponto de duvidar da sua própria existência (isto veio a acontecer literalmente quando o desconstrucionismo apregoou a “inexistência do sujeito”).
A doutrina darwiniana, ao colocar o ser humano no cume da evolução animal, não podia ao mesmo tempo rebaixá-lo ao nível de um bicho qualquer. A palavra mesma “evolução” exprime uma subida de nível, não uma descida. Isso deveria ser óbvio à primeira vista, mesmo sem a ajuda dos parágrafos finais de A Origem das Espécies , que celebram a ascensão evolutiva como uma obra divina de intelligent design (oh, horror!).
A doutrina freudiana, sim, parece rebaixar o ser humano, na medida em que reduz a consciência a um produto de fatores inconscientes. Mas, se a passagem para o nível autoconsciente resultava da destruição das ilusões narcísicas da infância, como poderia a destruição de mais uma ilusão ser um rebaixamento e não uma subida? O próprio Freud jamais desistiu da aposta em que o Ego terminaria por absorver e superar o Id, nisto consistindo, aliás, a promessa central da psicanálise. Ao falar de rebaixamento das pretensões humanas, Freud usou de uma figura de linguagem que enfatizava unilateralmente um só aspecto da sua própria obra, omitindo a compensação dialética da qual estava perfeitamente consciente. E fez o mesmo com os ensinamentos de Copérnico e Darwin para transformar os dois, à força, em precursores dele próprio.
Daí por diante, fazer história das idéias mediante analogias extemporâneas tornou-se moda universal, rebaixando a compreensão pública do passado a uma sucessão de fofocas de cortiço contra a dignidade humana. O resumo enciclopédico dessas fofocas constitui a visão histórica vigente, como um dogma de fé, nas cabeças de praticamente todos os nossos contemporâneos. Ela ressurge diariamente em editoriais de jornal, discursos parlamentares e redações de escola, com unanimidade global, e serve de argumento para justificar decisões políticas, econômicas e estratégicas, bem como para arbitrar discussões domésticas e dar aparência de coisa importante a teses universitárias sem pé nem cabeça.
O terceiro problema é que nenhuma daquelas descobertas alegadamente humilhantes tornou a intelectualidade mais humilde. Ao contrário: cada uma delas foi celebrada como uma vitória da razão e das luzes contra as trevas do passado, daí resultando efusões de orgulho cada vez mais demenciais e reivindicações de poder cada vez mais ilimitadas.
Copérnico e Newton serviram de argumento para os revolucionários de 1789 concentrarem mais poder em suas mãos do que qualquer tirano da antigüidade e matarem mais gente em um ano do que a Inquisição matara em três séculos.
O positivismo e o cientificismo deram nascimento a inumeráveis ditaduras iluminadas, algumas das quais entendiam a matança de padres, freiras e índios (especialmente cristianizados) como uma expressão superior da racionalidade humana.
O marxismo, não preciso nem falar. Quem não conhece o “Livro Negro do Comunismo”? Os feitos bárbaros que ele descreve seriam monumentos à humildade intelectual?
O behaviorismo e escolas psicológicas subseqüentes desenvolveram nos seus praticantes a ambição de moldar o comportamento alheio como se fosse um produto industrial. A ecologia reforçou essa ambição, criando projetos de controle global que determinam até o que você pode ou não pode comer e obrigam você a preencher uma pilha de formulários para colher um cacho de bananas.
Eric Voegelin chamava “historiogênese” a visão simbólica da história como um processo ascendente que, culminando na pessoa do narrador, fazia da sua época a suprema detentora do conhecimento humano. Inicialmente ele pensou que esse esquema fosse uma invenção da modernidade, mas depois descobriu que isso já existia no antigo Egito e na Mesopotâmia. A historiogênese é um cacoete mental deformante que reaparece em todas as épocas, graças à incoercível tendência do ser humano para fazer de si próprio o umbigo do universo.
A modernidade só acrescentou a isso o detalhe especialmente ridículo de que ela descreve a ascensão gloriosa que conduz até ela própria como um processo de autolimitação racional e humildade intelectual crescente. Com isso a concepção umbigocêntrica da história tornou-se caricatura de si própria, nisto consistindo a suprema glória intelectual dos tempos modernos.
A idéia do progresso do conhecimento como uma troca de ilusões grandiosas por verdades cada vez mais deprimentes impregnou-se tão profundamente na cosmovisão das classes letradas, que outros episódios da história das idéias foram interpretados de acordo com ela, quase que por automatismo. Entre Copérnico e Darwin, Newton e Galileu haviam ensinado que nossas impressões do mundo sensível são subjetivas e enganosas, só as quantidades mensuráveis podendo ser objeto de conhecimento certo, e Kant demonstrara a impossibilidade de saber algo de positivo sobre Deus e a imortalidade da alma. Entre Darwin e Freud, Marx evidenciara que a própria história das idéias não é senão a exteriorização aparente de interesses econômicos camuflados, Comte oficializara a proibição de perguntar sobre aquilo que não podemos conhecer pelos métodos da ciência newtoniana, e por fim um contemporâneo de Freud, Max Weber, tirara disso a mais letal das conseqüências: não só o bem e o mal são escolhas arbitrárias, mas o próprio conhecimento científico não é possível sem alguma escolha arbitrária inicial.
Nas décadas seguintes, o rebaixamento da espécie humana prosseguiu implacavelmente. O behaviorismo substituiu a noção mesma da “psique” por um conjunto de reflexos condicionados não muito diferentes dos que determinam a conduta de um rato ou, em última instância, de uma ameba. O estruturalismo e o desconstrucionismo aboliram a noção marxista do sentido da História como um resíduo das ilusões humanistas. A genética, a neurofisiologia, os modelos informáticos do cérebro e a psiquiatria de base farmacológica reduziram a nada as pretensões da própria psicologia freudiana. A ecologia mostrou o ser humano como um bicho mal comportado e destrutivo, prejudicial à natureza. Por fim, o filósofo Peter Singer promoveu os frangos e porcos a titulares de direitos humanos, em pé de igualdade até com uma criatura sublime como ele próprio.
Assim vieram caindo, uma a uma, as “ilusões narcísicas” -- como as chamava Freud – de uma espécie animal que ousara se proclamar imagem e semelhança de Deus. A história das idéias científicas, vista sob esse aspecto, é uma história da humildade intelectual.
Mas aí há três problemas.
O primeiro é que nem todas as teorias incluídas nessa narrativa são igualmente verdadeiras. Galileu fez do Sol o centro do universo, e não só do sistema solar. Marx jurava que o capitalismo iria restringir o mercado, em vez de expandi-lo. O evolucionismo continua em estado de hipótese discutível. E a psicanálise se desmoralizou tanto que Lacan, para tentar salvá-la, teve de descobrir nela uma parte inconsciente e dizer que esta, e não aquela que Freud conhecia, era a genuína psicanálise. Não tem sentido equalizar verdades científicas, erros medonhos e fantasias idiotas como degraus ascendentes de uma escalada cognitiva.
Segundo problema: cada um dos degraus dessa pretensa escalada foi galgado à custa de alguma falsificação monstruosa dos dados históricos. O esquema usado foi sempre o mesmo: embutir à força, em alguma doutrina passada, significados totalmente estranhos à época em que foi enunciada e à mentalidade de seu autor.
Copérnico nunca imaginou que o heliocentrismo tirasse “o homem” do topo do universo criado. Esta interpretação foi inventada um século depois por Giordano Bruno. E, àqueles que pretendessem tirar daí alguma conclusão materialista, o próprio Bruno advertia: façam isso, e se tornarão estúpidos ao ponto de duvidar da sua própria existência (isto veio a acontecer literalmente quando o desconstrucionismo apregoou a “inexistência do sujeito”).
A doutrina darwiniana, ao colocar o ser humano no cume da evolução animal, não podia ao mesmo tempo rebaixá-lo ao nível de um bicho qualquer. A palavra mesma “evolução” exprime uma subida de nível, não uma descida. Isso deveria ser óbvio à primeira vista, mesmo sem a ajuda dos parágrafos finais de A Origem das Espécies , que celebram a ascensão evolutiva como uma obra divina de intelligent design (oh, horror!).
A doutrina freudiana, sim, parece rebaixar o ser humano, na medida em que reduz a consciência a um produto de fatores inconscientes. Mas, se a passagem para o nível autoconsciente resultava da destruição das ilusões narcísicas da infância, como poderia a destruição de mais uma ilusão ser um rebaixamento e não uma subida? O próprio Freud jamais desistiu da aposta em que o Ego terminaria por absorver e superar o Id, nisto consistindo, aliás, a promessa central da psicanálise. Ao falar de rebaixamento das pretensões humanas, Freud usou de uma figura de linguagem que enfatizava unilateralmente um só aspecto da sua própria obra, omitindo a compensação dialética da qual estava perfeitamente consciente. E fez o mesmo com os ensinamentos de Copérnico e Darwin para transformar os dois, à força, em precursores dele próprio.
Daí por diante, fazer história das idéias mediante analogias extemporâneas tornou-se moda universal, rebaixando a compreensão pública do passado a uma sucessão de fofocas de cortiço contra a dignidade humana. O resumo enciclopédico dessas fofocas constitui a visão histórica vigente, como um dogma de fé, nas cabeças de praticamente todos os nossos contemporâneos. Ela ressurge diariamente em editoriais de jornal, discursos parlamentares e redações de escola, com unanimidade global, e serve de argumento para justificar decisões políticas, econômicas e estratégicas, bem como para arbitrar discussões domésticas e dar aparência de coisa importante a teses universitárias sem pé nem cabeça.
O terceiro problema é que nenhuma daquelas descobertas alegadamente humilhantes tornou a intelectualidade mais humilde. Ao contrário: cada uma delas foi celebrada como uma vitória da razão e das luzes contra as trevas do passado, daí resultando efusões de orgulho cada vez mais demenciais e reivindicações de poder cada vez mais ilimitadas.
Copérnico e Newton serviram de argumento para os revolucionários de 1789 concentrarem mais poder em suas mãos do que qualquer tirano da antigüidade e matarem mais gente em um ano do que a Inquisição matara em três séculos.
O positivismo e o cientificismo deram nascimento a inumeráveis ditaduras iluminadas, algumas das quais entendiam a matança de padres, freiras e índios (especialmente cristianizados) como uma expressão superior da racionalidade humana.
O marxismo, não preciso nem falar. Quem não conhece o “Livro Negro do Comunismo”? Os feitos bárbaros que ele descreve seriam monumentos à humildade intelectual?
O behaviorismo e escolas psicológicas subseqüentes desenvolveram nos seus praticantes a ambição de moldar o comportamento alheio como se fosse um produto industrial. A ecologia reforçou essa ambição, criando projetos de controle global que determinam até o que você pode ou não pode comer e obrigam você a preencher uma pilha de formulários para colher um cacho de bananas.
Eric Voegelin chamava “historiogênese” a visão simbólica da história como um processo ascendente que, culminando na pessoa do narrador, fazia da sua época a suprema detentora do conhecimento humano. Inicialmente ele pensou que esse esquema fosse uma invenção da modernidade, mas depois descobriu que isso já existia no antigo Egito e na Mesopotâmia. A historiogênese é um cacoete mental deformante que reaparece em todas as épocas, graças à incoercível tendência do ser humano para fazer de si próprio o umbigo do universo.
A modernidade só acrescentou a isso o detalhe especialmente ridículo de que ela descreve a ascensão gloriosa que conduz até ela própria como um processo de autolimitação racional e humildade intelectual crescente. Com isso a concepção umbigocêntrica da história tornou-se caricatura de si própria, nisto consistindo a suprema glória intelectual dos tempos modernos.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
O cristianismo, a salvação e a justiça divina
Um clássico de Olavo de Carvalho. Apesar de breve, extremamente preciso. E verdadeiro.
https://www.youtube.com/watch?v=vPW2SPaazfc
https://www.youtube.com/watch?v=vPW2SPaazfc
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Santo Efrém, Hino sobre a Natividade (11, 6-8)
O Senhor veio nela
para fazer-se servo.
O Verbo veio nela
para silenciar no seu seio.
O raio veio nela
para não fazer ruído algum.
O Pastor veio nela
& eis o Cordeiro nascido,
que submisso chora.
Pois o seio de Maria
inverteu os papéis:
Aquele que criou todas as coisas
entrou na sua posse, mas pobre.
O Altíssimo veio nela,
mas envolto em humildes panos.
Aquele que prodigaliza todas as coisas
conheceu a fome.
Aquele que sacia a todos
conheceu a sede.
Nu & despojado saiu dela,
Ele que reveste todas as coisas.
I Conversão
I
Deus
Pai, Onipotente, Onisciente & Onipresente, perdoai-me. Como permiti que
tentassem arrancar-Vos de mim? Que lassidão dominou meu espírito, a ponto de
ser permissivo & aceitar que Vos blasfemassem intimidante, insistente &
incessantemente? Como ousei assentir com o triunfo do império da ira & da
concupiscência, menosprezando a portentosa regência da razão? Por que não
desejei com toda a força de minha alma & de meu entendimento dispor a mim
mesmo para o melhor estatuto de espírito, para a excelência ótima da famélica
pobreza espiritual?
Eu
tinha fome do pão dos anjos, mas privava minha alma, minha mente & meu
coração dos frutos da Árvore da Vida, da flama viva de amor que jorra
radiantemente de Vosso Verbo, de Vosso Unigênito Filho, Vossa perfeitíssima
imitação, nosso Deus, porque Ele realmente pertence à linhagem de Davi,
realmente nasceu da Virgem Mãe e realmente foi cravado na cruz para nossa
Redenção. Cristo, o Verbo encarnado, concreta e verdadeira humanidade de Deus
Pai, morreu a vergonhosa morte de ladrões e assassinos por nós, ressuscitou por
nós, & a beleza de nossa vida está em imitá-Lo, até na Paixão de nosso
Salvador.
Duvidando
dessa concretude, o lobo, a raposa & a serpente me amordaçaram, para que eu
não expressasse fervorosamente a intensidade de meu amor por Cristo & pelo
Uno absoluto, Deus Pai, que existe em Santíssima Trindade. Aquelas feras,
contudo, não suportam a sinfonia da concórdia que canta amorosamente & a
uma só voz a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo, porque elas, dominadas pela
conflagração de sua soberba, de sua cólera e de sua luxúria, desconhecem a
consonância harmônica dos corações que musicam sua salmodia para dirigirem suas
vidas à cidade celeste, pois a bestialidade daquelas criaturas, semelhante à
dos anjos malevolentes, as impede de participarem na geometria do universo como
as tonantes cordas de uma cítara que louva o Senhor.
Desde
a mais tenra idade vivi sob o tirânico despotismo daqueles que me dissuadiam,
dia e noite, semana após semana, mês após mês, por anos a fio e
incansavelmente, a não ter parte em Deus Pai, pois apedrejavam & linchavam,
com sua fétida verborragia ctônica, todos os que serviam aos diáconos, aos
presbíteros & aos bispos. Aquela alcateia de lobos maquiavélicos togados
com os ornamentos tomados aos sofistas envenenava, tanto nas assembleias
públicas como nas praças de lazer, as almas de todos os seus concidadãos, para
que estes não agissem em nome da fé, da esperança e da caridade, para que não
colaborassem uns com os outros para a celebração de uma comunidade virtuosa
fundada em uma inabalável crença no Reino de Deus, para que não combatessem o
bom combate, para que não cooperassem fraternamente, para que não sofressem com
paciência as dolorosas difamações movidas contra quem evangeliza melifluamente
para agradar ao Senhor. Muito ao contrário, aqueles lobos atormentavam-me desde
a infância com suas fábulas difamantes, caluniando os apóstolos & a
instituição eclesiástica, não porque fossem boas ovelhas denunciando a opressão
de carniceiros que maculavam suas batinas com pecados indecorosos, mas porque
eram virulentos vetores de todo tipo de discórdia, promotores da deserção
maciça no interior do rebanho.
No
entanto, em minha alma desejava que o batismo perpetuasse como um broquel,
minha fé continuasse como um elmo, minha potente lança fosse sempre a caridade,
& nunca tivesse por grossa armadura senão o exercício da paciência,
permanecendo um valoroso guardião obediente não só à Hierarquia Celeste como
àquela encabeçada supremamente pelo sucessor de Pedro. Pois todos os que cremos
na Santíssima Trindade & desejamos viver a fé na comunidade onde vige a
hierarquia eclesial para congregar-nos na unidade fundamental em Cristo
Redentor, sabemos que podemos ser as plangentes cordas da grandiosa cítara que,
afinada com o tom de Deus em Sua unidade, semeia por toda a Criação a harmônica
sonoridade do concerto & da sinfonia, reflexos do Paraíso em que todo Onde
é a pura Música da Luz.
Caros
irmãos, eu vos convido ao amor & à união, pois somente edificaremos uma
comunidade harmoniosa & consonante, se orarmos de acordo com Cristo
Salvador na última ceia, reunindo-nos todos em uma única súplica, em uma única
mente, em uma única esperança no amor, acorrendo todas as ovelhas para o seu
Pastor, Jesus Cristo, o único templo & o único altar do Criador do Céu
& da Terra, pois o Verbo encarnado é um, permaneceu unido ao único Deus Pai
procedendo Dele, retornando a Ele na unidade, como já pregava Inácio de
Antióquia, santa voz que tanto incomoda a súcia de malfeitores ctônicos. Pois
Jesus Cristo está onde está a Igreja Católica, & a comunidade dos crentes
fiéis a Jesus Cristo deve primar pelo amor, presidindo digna &
veneravelmente, porque presidindo à caridade para com os irmãos depauperados,
pobres de espírito, que necessitam da bem-aventurada comunidade que observa o
mandamento de Cristo visível na unidade do exercício da fé & da caridade,
excelências qualitativas dos fiéis que fundam e coroam a unidade da Igreja
Católica, universal em seu amor, porque nosso coração almeja unir-se com Ele
& viver n’Ele, devotando-nos à Sua Igreja, em unidade com o bispo, para
servir generosamente à comunidade e ao campo a ser semeado, o mundo. Porque o
dogma fundamental, combatido com incendiários petardos pela serpente alada como
um anjo, é que Cristo é homem & Deus, não se podendo dividir a humanidade
& a divindade de Nosso Redentor, da Árvore da Vida, do Cordeiro imolado
para redenção de nossos pecados. Jesus Cristo é Aquele indiviso, sendo dever da
comunidade fiel estar cada vez mais de posse desse dogma, para que todos
comunguemos igualmente no interior da Igreja & evangelizemos o Reino de
Deus desde o centro & o topo dessa comunhão fundada na imitação da unidade
originária & pura, prerrogativa de Deus que é trina Luz.
Se
isto realmente aconteceu por toda parte, em Roma, Antióquia, Esmirna &
Magnésia nos tempos primevos, humildemente flexiono meus joelhos para implorar
a Deus Pai Todo-Poderoso a graça da unidade, para que todos nós nos amemos uns
aos outros com um coração indiviso, porque por Vós, Luz Trina, Família de amor,
nossos espíritos se ofertam em oblação, para que possamos ser encontrados nos
braços do Cordeiro imaculados, purificados pelo amor.
Nossa Senhora, valei-nos! Intercede por nós,
para que edifiquemos, purificando-nos por meio do amor divino de nossos
pecados, a comunidade unida em concordante e sinfônica canção, & cantemos a
unidade de Deus a uma só voz!
II Conversão
II
O despotismo dos antifilósofos,
daqueles abutres que devoram incansavelmente os corpos moribundos dos apologistas
da verdadeira sabedoria flagelados & cravados no madeiro, sempre açoitou
minhas frágeis espáduas nas universidades & nas instituições culturais,
onde a palavra Cristo soa como o pior palavrão em uma ditadura sob a qual as
únicas vozes permitidas são aquelas dos sofistas, desses homens bestiais que
trajam a trevosa plumagem dos abutres & exalam o bodum de uma moral de
senhores, que veem na fé cristã uma rebelião de escravos esgotados &
descontentes com a crueldade do mundo, que, para eles, é puro conflito sem
redenção.
Que os homens serventes a
muitos deuses cheios de desejos violentos & libidinosos nos odeiem, não nos
assusta mais do que a possibilidade de silenciarmos diante do Cordeiro
Crucificado, abandonando-O, quando Ele não nos abandonou, salvando-nos com a
forma de Sua vida, pois o Reino dos Céus, cuja evangelização era livremente um
dever de nosso Deus, Jesus Cristo, é como um homem que semeia boas sementes
(pois Donde a origem da Criação, & Aonde ela se dirige, senão de Deus &
para a colheita, na qual a cizânia & o grão serão separados por Cristo
& suas milícias angélicas, para ajuizamento de quem será levado com Ele
para a glória eterna do Pai?).
Um ancião encontrado na praia
pôde me provocar uma enorme crise de questionamentos, pois demonstrou a mim,
que já havia peregrinado por Platão, Aristóteles & Cícero, investigando
acerca da Verdade, que sozinho eu não saciaria com minhas próprias forças minha
sede de conhecer o divino, aspiração bastante soberba mesmo para um platônico
(que se humilha ao dizer que ama a sabedoria, mas que só os deuses são sábios).
Porque somente pela exortada oração a Deus Pai os portais luminosos se abririam
para o verdadeiro Filósofo, dirigido para encontrar o caminho do Criador pelas
sábias palavras dos antigos profetas & dos filósofos, pois se o ancião fora
breve em suas exortações indicativas, longo seria o itinerário filosófico nessa
investigação inquisitiva da Verdade, a qual culmina na fidelidade ao
Crucificado, pois Jesus Cristo veio ao nosso encontro para que encontrássemos a
arte bela de viver com retidão. Ora, viver com retidão moral é uma expressão
que soa tão harmoniosa para aqueles que são incapazes de conceber o belo moral,
que já vejo as presas venenosas da víbora infernal planejando uma emboscada contra
todo aquele que age de modo reto, & não tortuosamente como as bestas que
rastejam sussurrando que nossa fé cristã não coaduna com a eudaimonia dos epicuristas & dos estoicos. De
fato, nem desejamos o atomismo ateu & o hedonismo dos primeiros, nem o
pessimismo & o ódio suicida contra o corpo dos segundos, tão preocupados
com sua glória humana & desconhecedores da eterna glória de Nosso Senhor.
Porque Jesus Cristo é a
plenitude do projeto de Deus Pai, concretizado na criação & na salvação,
porque Cristo é o eterno Verbo, a eterna Razão, a criadora Razão, é LOGOS. Como criatura humana, união de uma alma
racional a um corpo humano, como homem, eu trago comigo uma semente de Deus
Criador, podendo colher fracos clarões da radiante Verdade. Na Lei antiga, o LOGOS manifestou-se nos profetas ao povo de
Israel, & em parte Ele também se manifestou nos filósofos gregos, aos que
chamaríamos de sementes de verdade (como a escatologia das almas em Platão,
que, se prenunciava no Além um Inferno, um Purgatório e um Paraíso para as
almas que viveram ou viciosa ou virtuosamente no Aquém, dissolvia essa
estrutura numa influência gnóstica órfica incompatível com a ortodoxia dos
Padres da Igreja). Contudo, como Cristo é histórico & pessoal (Deus &
homem em uma só pessoa no centro da história humana), com Justino Mártir
podemos ajuizar o que há de belo no que foi expresso pelos filósofos gregos,
pois é pertença dos cristãos. Porque Cristo é a Sabedoria, é dever do fiel
cristão não contrastar a filosofia grega com a verdade dos Evangelhos, mas
fazer com que se encontrem de modo benigno, exigindo-se, porém, um prudente
discernimento: que o cristianismo seja a única & verdadeira filosofia, pois
ela se origina do & conduz ao LOGOS,
sendo o único amor pela sabedoria confiável & proveitosa, porque amor pela
palavra de Cristo.
Como se enraivecem os
dionisíacos, os trágicos! Como se debatem contra nós os adoradores dos combates
no Circo Máximo, os bacantes em suas horripilantes orgias, os idólatras em seus
cultos a deuses cobiçosos, invejosos, ambiciosos, tirânicos, cruéis &
vingativos! Como racionalmente a Igreja dos primórdios optou pela filosofia
grega, em especial Platão, julgo serem verdadeiros tiranos & senhores da verdade
que não se justifica por argumentos, mas pela força, os antropófagos reais que
são os cultores de Dioniso, o deus devorador cuja imitação conduziu uma rainha
a dilacerar & deglutir o próprio filho. Que amor pelo entorpecido,
embriagado & dissoluto Baco em nossas universidades & centros
culturais! “Mas queimemos”, dizem eles, “aqueles que corajosamente rejeitam
qualquer compromisso com os iniciados nos rituais presididos pelo bode coroado
de hera & celebrado como princípio supremo de individuação: ‘só somos nós
mesmos’, afrontam-me os anjos com cara de bode, ‘quando nos dissolvemos na
torrente do desregramento’.” Vade retro, Satanás! Nem que Apolo me aparecesse
em sua biga, eu nem por isso não seria implacável ao afirmar que Homero,
Hesíodo & Ênio são mentirosos autores de fábulas fingidas que despistam
diabolicamente os que amam a sabedoria em seu caminhar com a Verdade, pela
Verdade & na Verdade. Virgílio ainda pode ser lido, por sua Écloga anunciadora do Messias. Porque
Platão percorria asceticamente o caminho que conduzia ao Bem Supremo, via-se
defendido por um Deus que vingava os sofredores, & apontava as
inconsistências morais na conduta dos deuses configurados pelos mitos
homéricos. O cristianismo presente na filosofia ascende como contraste frontal contra
a mitologia, para revelar a verdade do Ser: Deus. Contra a mitologia conformada
em ritos, convenções & costumes, a partir do Deus do platonismo contra os
falsos deuses do panteão pagão, o filósofo cristão racionalmente se decide pela
verdade do ser & se contrapõe à mitologia consuetudinária. Como esbravejam
as bacantes, cambaleando pelos corredores da universidade depois de uma
profunda embriaguez que, além de adoecer seu corpo, lhes proíbe de pedirem
perdão a Deus pelo mal que fizeram a sua natureza: ao contrário, preferem
exaltar seus bárbaros costumes & nos chamar de “escravos rebeldes,
ressentidos, escória de esgotados que fulminou o Império Romano”.
Com Tertuliano eu posso afirmar
que Nosso Senhor Cristo é a Verdade, & que Ele não se confunde com uma moda
cultural, um costume da juventude libertária, que prega a ditadura do
relativismo cultural num arrogante desconhecimento de que a opção pela verdade
(como visível em Platão) é a fundamentação de uma axiologia ordenadora não só
da cidade terrena, mas a base para uma cosmologia que plenifica a própria alma
humana. Por que não rezarmos juntos para que as portas da luz se abram para
nós, para que nos seja concedida a graça de discernir prudentemente o que é
verdadeiro ou falso, & assim contemplarmos & compreendermos Deus &
seu Cristo, que nos concedem esse dom? Oremos, irmãos. Peçamos a graça da
prudência que discerne ao nosso Pai.
III Conversão
III
A Igreja de Deus peregrina pelo universo da Criação, desejando a todos que superabundem a paz, a misericórdia& o supremo amor de Deus Pai & Cristo Filho. O devoto de Satanás, porém, que é todo aquele que inventa fábulas detratoras de nossa fé, sorri quando cidadãos esgotados pelos suplícios praticados pelas piores criaturas (aquelas tiranizadas por suas paixões mais iracundas & luxuriosas) são dilacerados pelo flagelo da descrença, da desesperança & da precipitação no abismo da hostilidade dos mortais que se vangloriam de sua astúcia & de sua força neste mundo. Porque o devoto do anjo caído se regozija quando brutalmente açoita o espírito de um cidadão que traz em sua alma aquele desejo de ser ele mesmo uma cítara harmônica em constante salmodia: o malevolente usa seu chicote para abrir a sedosa pele da alma, para poder cuspir seu odioso veneno nas veias& artérias onde flui a caridade para com o próximo, a fé em Deus & a esperança na ressurreição da carne. O demoníaco, como em uma escavação psicanalítica, dilacera a alma do temente a Deus, até chegar às vísceras & aos órgãos da potência racional, para arrancá-los impiedosamente, abandonando depois a alma quase sem fôlego para ser finalmente devorada pelas feras que servem a Baco, ao anjo mórbido ou ao mau Demiurgo: a qualquer entidade, real ou não, idolatrada pelos intelectuais cuja quantidade de títulos ostentados aponta, ao contrário, o ignóbil estado de abominação ética, política & cognitiva no qual falecem a cada minuto. Com a graça de Deus Pai, necessitamos superar nosso temor natural da morte violenta, pois se a prudência da carne ordena que cedamos em nossa fé para que triunfem esses fisiólogos nacional-socialistas, nossa salvação exige que não sejamos imprudentes segundo o espírito, pois não são a descrença, a desesperança e a hostilidade senão vícios, que o arcanjo deve calcar a seus pés como o faz com a serpente dos ínferos.
O bom pastor é aquele que conduz a si & a suas ovelhas com prudência, verdadeira erudição haurida das Escrituras & fervor na evangelização do Reino dos Céus. Este que vos fala é apenas um escriba em conversão, cuja voz foi duramente silenciada pela súcia de gnósticos travestidos de mestres em toda parte, que argutamente jogaram suas fezes na clara água onde repousava a verdade da fé, para que eu, não podendo ler o que me fosse concedido no livro da vida que é o Crucificado, não contra-atacasse o gnosticismo & sua defesa da desventura do homem na hostilidade de um mundo sufocado por um mau Demiurgo. Ora, se à matéria é atribuída a maldade, isso se deve a certo influxo da gnose órfica em Platão. Todavia, se para Platão, filósofo apreciado por Justino & Irineu, o Demiurgo era o deus inferior à ideia suprema do Bem, ele conformou o mundo sensível & o mundo das almas contemplando as Formas inteligíveis, as articulações primeiras da realidade, de modo que sua inferioridade em relação à ideia suprema do Bem não lhe desqualifica, pois Platão mesmo o considerava um deus ótimo, por haver tirado do caos para a existência cósmica.
Ademais, uma vez liberta do corpo, segundo a escatologia platônica, a alma, se virtuosa em sua vida no Aquém, goza a eternidade na ilha dos bem aventurados, retornando para o Absoluto. Os gnósticos, ao contrário, tomam o mundo & seu Demiurgo como funestos, porque para os gnósticos só é bom o que não se manifesta em nossa existência, de modo que a alma, liberta do corpo nefasto, retorna ao Ser oculto, não manifestado, de vez que a bondade, para o gnóstico, consiste na não manifestação do ser na vida humana. De modo que os gnósticos, rebeldes contra toda a tradição eclesiológica & eclesiástica, inventaram uma doutrina antagônica não só àquela apostólica & episcopal, insurgindo-se contra qualquer cosmologia oriunda da firmeza da doutrina bíblica ou da predominância da razão (platônica) da filosofia grega.
Contra a coerência interior a toda fé em um único Deus Pai, os gnósticos se multiplicam como gafanhotos, fragmentando-se em bizarras correntes, espalhando-se como uma virulenta praga sobre o campo a ser semeado pelo zeloso evangelizador do Reino. Como esses gafanhotos maniqueístas dilaceram o trigo, corroendo o grão da verdadeira fé& fazendo grassar a cizânia no espírito do homem? O gnóstico não crê em um único Deus Criador, mas em um Deus bom, indiferente ao mundo, & em um mau Demiurgo, princípio negativo criador da matéria, de modo que a maldade do corpo se funda nesse pessimismo depreciador do corpóreo, porque originado de um deus mau. Se porventura qualquer um encontra semelhanças entre um intelectual gnóstico & o Satã de Paradise Lost, não será mera coincidência, pois o Satã de Milton é um dualista em perpétua rebeldia contra a originária santidade da Criação, nela incluídos o corpo, a carne & o espírito, além de ser um DIABOLOS, isto é, aquele que divide, que causa intrigas, para causar a queda, dilacerando a harmonia do sinfônico concerto das potências de nossa alma que, pela graça divina, pode nos conduzir a ter parte no Reino dos Céus.
Porque Deus criou o homem com barro, com o que é fértil & humilde, & não com bosta (como gostariam os gnósticos de todo tipo), uma vez que esses gafanhotos não creem que, confiando-nos a Ele, determinados a escolher retamente pela fé, amor & esperança, possamos atravessar o infinito golfo com a ponte do poder da graça, assim entrando em comunhão com o eterno Pai, de Quem tanto necessitamos. Porque a carne participa da sabedoria & poder de Deus, o Artífice, porque o poder de Deus, que concede a vida, é feito perfeito na fraqueza (2 Cor 12.9), isto é, na carne, como diz Irineu de Lião.
Comecemos a curar as chagas causadas pela praga gnóstica com o seguinte fármaco do santo de Lião: “[...] se o Criador, livremente & de Sua iniciativa, fez & ordenou todas as coisas & se Sua vontade é a única matéria donde tirou todas elas, então Aquele que fez todas as coisas é o Deus único, o único Onipotente, o único Pai, que criou & fez todas as coisas, as visíveis & as invisíveis, as sensíveis & as inteligíveis, as celestes & as terrestres. Com o Verbo de Seu poder tudo compôs & tudo ordenou por meio da Sua Sabedoria; Ele que tudo contém & que nada o pode conter. Ele é o Artífice, o Inventor, o Fundador, o Criador, o Senhor de todas as coisas & não existe outro fora& além Dele, nem a Mãe que eles se arrogam, nem o outro deus que Marcião inventou, nem o Pleroma dos 30 Éões cuja inanidade demonstramos, nem o Abismo, nem o Protoprincípio, nem os Céus, nem a Luz virginal, nem o Éon inefável, nada de tudo o que foi sonhado por eles & por todos os hereges. Só um é o Deus Criador que está acima de todo Principado, Potência, Dominação & Virtude: Ele é o Pai, é Deus, é o Criador, o Autor, o Ordenador, que fez todas as coisas de Si mesmo, isto é, por meio de Seu Verbo & Sabedoria, o céu & a terra, o mar & tudo o que eles contêm. Ele é o justo, o bom; Ele quem modelou o homem, plantou o paraíso, construiu o mundo, quem produziu o dilúvio& salvou Noé; Ele é o Deus de Abraão, de Isaac & de Jacó, o Deus dos viventes, anunciado pela Lei, pregado pelos profetas, revelado por Cristo, transmitido pelos apóstolos, crido pela Igreja; Ele é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo; por meio do Verbo que é Seu Filho é revelado & manifestado a todos que ouvem a revelação; & O conhecem aqueles aos quais o Filho O revelou. O Filho que está sempre com o Pai & que desde o princípio sempre revela o Pai aos Anjos & Arcanjos, às Potestades & Virtudes & a todos a quem Deus se quer revelar.” (Adv. Her. II, 30.9)
Que sopro do santíssimo Espírito arejou meus pulmões! Finalmente um pouco de ar puro, encontrado apenas em manuscritos que ensinam a fé simples da Igreja! Glória a Irineu, adversário daqueles que profanam a santidade de nossos corpos com sofismas órficos, estranhos ao espírito cristão! Por que nossas almas não podem exercer sua potência racional &, filosofando verdadeiramente, compreender a coerência de nossa confissão, interpretando o Evangelho com o Símbolo apostólico? Afinal, a Igreja Católica Apostólica Romana prega a simplicidade da fé em um único Deus, & a apostolicidade da Igreja & a confissão de nossa fé provêm de Pedro & Paulo, nunca das invenções fabulosas de sofistas dualistas & pessimistas, pois a própria teologia de Irineu de Lião está inserida nessa tradição eclesiológica & eclesiástica, pois ele a concebeu a partir da evangelização de Policarpo, que, por sua vez, recebeu-a do vidente de Patmos, o apóstolo & evangelista João.
Os gnósticos nada nos dizem de origem apostólica, pois suas elucubrações sobre o mau Demiurgo, fautor do mal na existência humana, propõem como única via de ascensão a gnose, que compreende só haver bondade na não manifestação do ser na existência do homem, de modo que a criatura humana deve querer retornar ao abismo, deve tomar o seu lugar no Nada. Daí que um gnóstico jamais conceba um reto viver, pois, segundo ele, só os esgotados no hostil conflito do mundo necessitam de regras para viver na fé, no amor & na esperança: a verdade & a salvação estão, para o gnóstico, na abertura para o Nada, & não para Deus, o Ser absoluto, & por isso o gnosticismo é um elitismo intelectual absurdo, porque só um Sêneca escreveria cartas a um sobrinho para justificar o suicídio: “Serás escravo? Enfie uma estaca pela boca”. Com efeito, poucos seriam aqueles capazes de compreender a tão excelsa altura de uma regurgitação gnóstica como o estoicismo de um Marco Aurélio (grande verdugo de cristãos), mas muitos enchem o coração com a fé em Cristo, pois comungam a mesma fé pregada por toda parte, como a uma só voz, pelos sucessores dos apóstolos, pois compreendem que podem alcançar a salvação pela comunhão na verdade transmitida pela tradição apostólica, testemunha de Jesus Cristo & de Deus.
Quando adentramos em uma Igreja capadócia, por exemplo, com portentosos arcanjos guardando a entrada, querubins& serafins sobrevoando a abóbada onde esplende o fulgor da Santíssima Trindade, com as figuras alegóricas dos evangelistas, com as cenas da Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, com os quadros dos milagres de nosso Salvador, com o coro de monges entoando cânticos acompanhados harmoniosamente por um tonante órgão, em todo esse mosaico multicolorido encontramos uma mesma modulação de crer na Verdade do Reino dos Céus, como se a Igreja possuísse uma única alma& um único coração, como se ela proclamasse, ensinasse & transmitisse, a mesma verdade da tradição apostólica, em todas as línguas, por toda parte& por todo o tempo humano.
Se aqui este escriba em conversão desliza na tessitura do argumento, é porque me parece que o Espírito Santo garante em todos os templos edificados a partir da tradição eclesiológica uma mesma fecundidade em seus carismas, pois neles vigora a firme coluna da fiel transmissão do conteúdo da fé recebida dos apóstolos & do Filho de Deus. Porque onde está o Espírito de Deus, ali está a Igreja & toda graça, porque ali está o mesmo Sopro divino, a mesma dignidade da criatura humana, que é corpo & alma, a mesma fundamentação da dignidade na beleza da Criação. Afinal, “a imagem de Deus é o Filho, em cuja imagem o homem foi criado, & é por isto que o Filho apareceu visivelmente nas últimas idades do mundo, para revelar que a imagem se Lhe assemelhava.” (Demonstratio, 22)
IV Conversão
IV
Nosso Senhor & Salvador
Jesus Cristo, Árvore & Livro da Vida, eu só experimento neste subúrbio o
amargo sabor da solidão espiritual, pois as culturas não se cruzam em praça
pública, porque nossos libertários decidiram que a axiologia cristã deve ser
“protegida das paixões populares”, & por isso os materialistas trancaram
Vossa palavra dentro dos muros de nossas Igrejas. Nossa cidade é símbolo de uma
oligarquia demagoga, onde jovens desperdiçam suas vidas fumando pedras
entorpecentes sob os olhares desdenhosos dos rebeldes que combatem pela
liberdade absoluta de cada um de precipitar-se no abismo do Nada, quando nenhum
deles há que não oriente sua prole a conduzir-se em conformidade com os bons
costumes da sociedade burguesa que eles hipocritamente criticam. Não, os
libertários, com seu egoísmo de burocratas que detestam o monarca & a
Igreja só porque querem comandar como uma nova aristocracia & dar sermões
(imorais) como novos sacerdotes, pouco estão se lixando para a violência que
grassa nos subúrbios. Se jovens depauperados são executados nas vielas, nossos
libertários bradam contra a segurança pública, nunca contra a narcoguerrilha,
pois só se associam com a mais absoluta licenciosidade (desde que o sangue
inocente não espirre nos muros de seus condomínios).
Minha maturação espiritual
ocorre passo a passo, ao tomar consciência de que não posso declamar salmos
imprecatórios contra criminosos hediondos, de vez que libertários &
anarquistas se dão as mãos para garantir como direito individual fundamental a
liberdade absoluta dos hediondos narcotraficantes, que pela lei mais eivada de
iniquidade, não podem sequer ser investigados, & menos ainda reprovados
moralmente. Ó tempos! Ó costumes!
Eu mesmo me exortei a
perscrutar o caminho da verdadeira fé, ainda que começasse pelos diálogos de
Platão, porque pertence à nossa tradição aquela fé que busca o intelecto.
Contudo, em meu caminho encontrei uma Pessoa, Jesus Cristo, Deus humilde que se
fez pequeno para que pudéssemos ver a grandeza do Pai. Em Jesus Cristo, Deus
Pai, nosso rochedo & nossa fortaleza, nos exorta para que determinadamente
caminhemos pela única via que nos conduz à luminosa Verdade. Ele nos exorta ao
batismo na Igreja Católica, para que nos tornemos Seus filhos, & tenhamos
em Cristo Rei nosso educador & nosso mestre, pois a profundeza de seus
ensinamentos de amor (Amai-vos uns aos
outros, assim como eu vos amei), dá o horizonte a ser seguido no percurso a
ser trilhado, não sem fadigas, pelo catecúmeno & pelo batizado, que logo é
exortado a treinar seu voo com as asas da Fé & da Razão no sentido de
conhecer o Verbo de Deus, Jesus Cristo, a Verdade. Só podemos conhecer a
Verdade se conhecemos a Pessoa de Cristo Rei, nosso Deus.
Por isto, não confundimos a
verdadeira gnose, a verdadeira inteligência que alcança a Verdade divina, com
todo o discurso falso dos gnosticismos órficos & niilistas, que tentam
encobrir a Verdade com uma obscura poética das sombras. Porque só a fé
católica, compelida por uma exortação de princípio sobrenatural, pode
construir, pela razão, a verdadeira catedral do conhecimento de Cristo,
edificando a conversão maximamente verdadeira no caminho que deve ser
percorrido em nossa vida, erigindo, assim, a única & verdadeira Filosofia.
Porque só podemos desenvolver nossa fé cristã como a única & verdadeira
gnose se nossas almas se unirem a Cristo Rei, ao Cordeiro de Deus, aquele que
tira os pecados do mundo, a Verdade de Deus que nos exorta a nos conduzirmos
para Ele.
Todos os cristãos devem viver
sua fé em comunhão, & essa comunhão se dá na abertura de todos & de
cada um para a santidade, esse horizonte de resplendentes raios de amor. Se os
cidadãos vivem a fé em seu cotidiano, orando, praticando os mandamentos de amor
ordenados por Cristo Rei, indo à missa & dedicando-se, na medida do
possível, a evangelizar o Reino dos Céus, sempre observando os dogmas da Igreja
encontrados nos Pais & Doutores da Igreja, como em São Clemente de
Alexandria, é um nível de experiência cristã bastante louvável. Pois há quem,
no interior dessa comunhão da fé, possa ser chamado de verdadeiro gnóstico, ou
de cidadão verdadeiramente inteligente & crente, que se põe de coração
& de mente abertos à perfeição espiritual, que corresponde ao percorrer de
um caminho em busca do conhecimento do Verbo de Deus, tendo por educador &
mestre Jesus Cristo, para que assim possa alcançar as verdades constitutivas da
fé & a Verdade mesma, Cristo Rei que nos resgatou & nos reconduz a Ele
mesmo, que é o Caminho, a Verdade, & a Vida.
Contudo, o conhecimento
alcançado pelo verdadeiro gnóstico, é uma experiência viva da fé católica,
porque nem se reduz a uma simples teoria sobre o conteúdo da fé nem é uma
prática do amor sem uma busca esforçada pelas verdades que constituem esse
mesmo conteúdo da fé: a verdadeira gnose é a união da alma do crente a Jesus
Cristo, pois o amor só transforma a vida do homem se este, exortado por Cristo
Rei, se deixar conduzir pela Verdade para a união n’Ela. Porque o autêntico
gnóstico conhece Cristo como o amor que desfecha o nosso olhar, gerando na alma
do homem a comunhão com o Verbo de Deus, aquele que dá sentido à vida humana,
& nela o cristão se unifica com Deus, pela contemplação da Verdade &
Vida do Verbo nessa comunhão, alcançada pelo conhecimento perfeito & pelo
amor. Filosofia & caridade devem doravante caminhar sempre juntas, pois o LOGOS é amor. Ninguém está privado da luz desse
amor, & todo coração humano pode converter-se em candelabro dessa luz.
Quando Deus criou o homem, Ele
nos criou concedendo-nos a conaturalidade com Ele, criando-nos à Sua imagem
& à Sua semelhança. Esse é o nosso fim último: tornarmo-nos semelhantes ao
Senhor. O propósito de encararmos o desafio & caminharmos guiados por
Cristo Rei é possibilitado por nossa conaturalidade com Ele, para que
caminhemos para nossa perfeição espiritual. Em primeiro lugar, o homem deve
aderir á fé católica, à comunhão que é conhecimento do divino Verbo, Verdade
& Vida, &, partindo dessa fé, vive-la no exercício da virtude, a qual
pode alcançar a visão contemplativa de Deus, Criador do Céu & da Terra. Não
podemos conceder maior valor à uma prática moralmente reta ou a um conhecimento
intelectual das verdades da fé, porque o exercício da virtude & a filosofia
andam de mãos dadas: eu não conheço a Deus sem viver guiado por Cristo, sem a
prática do amor, & não posso viver guiado por Cristo sem um conhecimento
íntimo do Verbo de Deus, sem a verdadeira filosofia construída pela fé. Viver
conforme o LOGOS, viver
conforme a Verdade anda de mãos dadas com a verdadeira Filosofia, & uma vez
que ambas as exigências são concomitantemente cumpridas (viver segundo Cristo
& conhecer a Cristo), o verdadeiro gnóstico pode assimilar a Deus &
contemplá-Lo. Se a sombra acompanha o corpo, as ações virtuosas devem seguir a
verdadeira Filosofia.
A alma do inteligente que
conhece a Verdade é ornada por uma dupla de virtudes que conjugam a
impassionalidade diante das paixões tiranas & a verdadeira paixão do
cristão, o amor daquele que busca unir-se intimamente com o Pai. A APATHEIA é a impassionalidade do autêntico
gnóstico, que busca libertar-se da tirania das perturbações passionais. O amor
é a verdadeira paixão daquele que aceita a condução de Cristo Rei, nosso
mestre, que nos exorta a subir de altura em altura em uma vertiginosa &
incessante escalada, no escopo de assimilarmos a Deus, possibilitando-nos, a
partir da perfeita paz concedida pela experiência do amor, encarar até o
extremo sacrifício daquele que aceitou caminhar guiado pelo Verbo encarnado
rumo à união com o Pai eterno. Para assimilar a Deus, a criatura humana fiel à
Verdade sabe que pode enfrentar até a cruz ao seguir as pegadas do Cordeiro de
Deus.
Faz-se necessário o diálogo
fecundo entre a filosofia platônica & o anúncio do Evangelho, nesta
modernidade libertária & comunista que desenterrou do esgoto das pulsões
ctônicas a tradição órfica, a ritualidade orgiástica, a violência de deuses
& heróis homéricos, a dilaceração da alma própria das personagens da
tragédia ateniense, a apologia estoico-niilista do suicídio, a imoralidade como
fundamento da ação política, a aversão à caridade como sinal de tradição
transvalorada, a sociedade sem classes inventada & dominada pelo Partido, a
luxúria mais voluptuosa como modo propriamente humano de viver a sexualidade.
Diante dessa expansão dos
panfletários do caos, cegos à tirania do narcotráfico, dos latrocidas & dos
cafetões, indiferentes ao pranto das mães que lamentam sua prole abandonada aos
vícios mais corrosivos & imiscuída na bandidagem sem esperança de uma vida reta,
só os arautos da noite da razão, ansiosos para copularem livremente com o que
há de mais sórdido, conscientes de que podem drogar-se, brigar sangrentamente
na rua, atropelar transeuntes, estuprar garotas bêbadas, & dedicar-se a
todo tipo de crimes maiores, sempre justificáveis pelo seu entorpecimento
espiritual & defensáveis pela legislação penal mais permissiva &
promíscua do cosmo, é que ratificam as filosofias da suspeita que demoliram
toda a cosmologia que enchia de sentido a vida de cada um de nós. Que os mais
renomados doutores em filosofia, os quais jamais contarão entre o número dos
verdadeiros filósofos, jamais tenham desejado outra coisa para esta sociedade,
senão que ela fosse minimamente organizada, minimamente segura &
minimamente educada para garantir os impostos ou as mensalidades que pagam seus
salários, isto se deve ao fato de que, contrários a toda nossa axiologia
católica, sempre se dispuseram a demoli-la intelectualmente, difamando-a,
caluniando-a, chamando a todos nós, que nos esforçamos para praticar a virtude,
de hipócritas, como se eles, tão somente preocupados com a satisfação de seu
baixo ventre, fossem a forma exemplar de toda virtude, pois a virtude, no mundo
libertário-social, é não ser caridoso, amoroso, esperanço, nunca ser fiel ao
nosso Deus, Jesus Cristo, o humilde nazareno, o Cordeiro que tem piedade de todos
nós.
Platão, aquele que começou o
combate sistemático contra os poetas & os sofistas, é uma propedêutica para
nossa fé católica, pois Deu concedeu aos helenos a filosofia para que ela fosse
um Testamento daquele povo: dois riachos confluíam, como revelação, para o
Verbo de Deus: um era aquele da lei mosaica para o povo judeu, outro era aquele
da filosofia grega para os helenos. É preciso que acentuemos, caros irmãos, não
só aos cristãos, mas também aos ateus & aos panteístas, que a verdade
pertence à esfera da metafísica, & que o discurso filosófico acompanhado
pela fé cristã é um cântico de louvor ao único Senhor & Criador do cosmos.
Cantemos com Clemente de
Alexandria ao único Pai, ao Filho, nosso pedagogo & mestre, junto com o
Espírito Santo!
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