II
O despotismo dos antifilósofos,
daqueles abutres que devoram incansavelmente os corpos moribundos dos apologistas
da verdadeira sabedoria flagelados & cravados no madeiro, sempre açoitou
minhas frágeis espáduas nas universidades & nas instituições culturais,
onde a palavra Cristo soa como o pior palavrão em uma ditadura sob a qual as
únicas vozes permitidas são aquelas dos sofistas, desses homens bestiais que
trajam a trevosa plumagem dos abutres & exalam o bodum de uma moral de
senhores, que veem na fé cristã uma rebelião de escravos esgotados &
descontentes com a crueldade do mundo, que, para eles, é puro conflito sem
redenção.
Que os homens serventes a
muitos deuses cheios de desejos violentos & libidinosos nos odeiem, não nos
assusta mais do que a possibilidade de silenciarmos diante do Cordeiro
Crucificado, abandonando-O, quando Ele não nos abandonou, salvando-nos com a
forma de Sua vida, pois o Reino dos Céus, cuja evangelização era livremente um
dever de nosso Deus, Jesus Cristo, é como um homem que semeia boas sementes
(pois Donde a origem da Criação, & Aonde ela se dirige, senão de Deus &
para a colheita, na qual a cizânia & o grão serão separados por Cristo
& suas milícias angélicas, para ajuizamento de quem será levado com Ele
para a glória eterna do Pai?).
Um ancião encontrado na praia
pôde me provocar uma enorme crise de questionamentos, pois demonstrou a mim,
que já havia peregrinado por Platão, Aristóteles & Cícero, investigando
acerca da Verdade, que sozinho eu não saciaria com minhas próprias forças minha
sede de conhecer o divino, aspiração bastante soberba mesmo para um platônico
(que se humilha ao dizer que ama a sabedoria, mas que só os deuses são sábios).
Porque somente pela exortada oração a Deus Pai os portais luminosos se abririam
para o verdadeiro Filósofo, dirigido para encontrar o caminho do Criador pelas
sábias palavras dos antigos profetas & dos filósofos, pois se o ancião fora
breve em suas exortações indicativas, longo seria o itinerário filosófico nessa
investigação inquisitiva da Verdade, a qual culmina na fidelidade ao
Crucificado, pois Jesus Cristo veio ao nosso encontro para que encontrássemos a
arte bela de viver com retidão. Ora, viver com retidão moral é uma expressão
que soa tão harmoniosa para aqueles que são incapazes de conceber o belo moral,
que já vejo as presas venenosas da víbora infernal planejando uma emboscada contra
todo aquele que age de modo reto, & não tortuosamente como as bestas que
rastejam sussurrando que nossa fé cristã não coaduna com a eudaimonia dos epicuristas & dos estoicos. De
fato, nem desejamos o atomismo ateu & o hedonismo dos primeiros, nem o
pessimismo & o ódio suicida contra o corpo dos segundos, tão preocupados
com sua glória humana & desconhecedores da eterna glória de Nosso Senhor.
Porque Jesus Cristo é a
plenitude do projeto de Deus Pai, concretizado na criação & na salvação,
porque Cristo é o eterno Verbo, a eterna Razão, a criadora Razão, é LOGOS. Como criatura humana, união de uma alma
racional a um corpo humano, como homem, eu trago comigo uma semente de Deus
Criador, podendo colher fracos clarões da radiante Verdade. Na Lei antiga, o LOGOS manifestou-se nos profetas ao povo de
Israel, & em parte Ele também se manifestou nos filósofos gregos, aos que
chamaríamos de sementes de verdade (como a escatologia das almas em Platão,
que, se prenunciava no Além um Inferno, um Purgatório e um Paraíso para as
almas que viveram ou viciosa ou virtuosamente no Aquém, dissolvia essa
estrutura numa influência gnóstica órfica incompatível com a ortodoxia dos
Padres da Igreja). Contudo, como Cristo é histórico & pessoal (Deus &
homem em uma só pessoa no centro da história humana), com Justino Mártir
podemos ajuizar o que há de belo no que foi expresso pelos filósofos gregos,
pois é pertença dos cristãos. Porque Cristo é a Sabedoria, é dever do fiel
cristão não contrastar a filosofia grega com a verdade dos Evangelhos, mas
fazer com que se encontrem de modo benigno, exigindo-se, porém, um prudente
discernimento: que o cristianismo seja a única & verdadeira filosofia, pois
ela se origina do & conduz ao LOGOS,
sendo o único amor pela sabedoria confiável & proveitosa, porque amor pela
palavra de Cristo.
Como se enraivecem os
dionisíacos, os trágicos! Como se debatem contra nós os adoradores dos combates
no Circo Máximo, os bacantes em suas horripilantes orgias, os idólatras em seus
cultos a deuses cobiçosos, invejosos, ambiciosos, tirânicos, cruéis &
vingativos! Como racionalmente a Igreja dos primórdios optou pela filosofia
grega, em especial Platão, julgo serem verdadeiros tiranos & senhores da verdade
que não se justifica por argumentos, mas pela força, os antropófagos reais que
são os cultores de Dioniso, o deus devorador cuja imitação conduziu uma rainha
a dilacerar & deglutir o próprio filho. Que amor pelo entorpecido,
embriagado & dissoluto Baco em nossas universidades & centros
culturais! “Mas queimemos”, dizem eles, “aqueles que corajosamente rejeitam
qualquer compromisso com os iniciados nos rituais presididos pelo bode coroado
de hera & celebrado como princípio supremo de individuação: ‘só somos nós
mesmos’, afrontam-me os anjos com cara de bode, ‘quando nos dissolvemos na
torrente do desregramento’.” Vade retro, Satanás! Nem que Apolo me aparecesse
em sua biga, eu nem por isso não seria implacável ao afirmar que Homero,
Hesíodo & Ênio são mentirosos autores de fábulas fingidas que despistam
diabolicamente os que amam a sabedoria em seu caminhar com a Verdade, pela
Verdade & na Verdade. Virgílio ainda pode ser lido, por sua Écloga anunciadora do Messias. Porque
Platão percorria asceticamente o caminho que conduzia ao Bem Supremo, via-se
defendido por um Deus que vingava os sofredores, & apontava as
inconsistências morais na conduta dos deuses configurados pelos mitos
homéricos. O cristianismo presente na filosofia ascende como contraste frontal contra
a mitologia, para revelar a verdade do Ser: Deus. Contra a mitologia conformada
em ritos, convenções & costumes, a partir do Deus do platonismo contra os
falsos deuses do panteão pagão, o filósofo cristão racionalmente se decide pela
verdade do ser & se contrapõe à mitologia consuetudinária. Como esbravejam
as bacantes, cambaleando pelos corredores da universidade depois de uma
profunda embriaguez que, além de adoecer seu corpo, lhes proíbe de pedirem
perdão a Deus pelo mal que fizeram a sua natureza: ao contrário, preferem
exaltar seus bárbaros costumes & nos chamar de “escravos rebeldes,
ressentidos, escória de esgotados que fulminou o Império Romano”.
Com Tertuliano eu posso afirmar
que Nosso Senhor Cristo é a Verdade, & que Ele não se confunde com uma moda
cultural, um costume da juventude libertária, que prega a ditadura do
relativismo cultural num arrogante desconhecimento de que a opção pela verdade
(como visível em Platão) é a fundamentação de uma axiologia ordenadora não só
da cidade terrena, mas a base para uma cosmologia que plenifica a própria alma
humana. Por que não rezarmos juntos para que as portas da luz se abram para
nós, para que nos seja concedida a graça de discernir prudentemente o que é
verdadeiro ou falso, & assim contemplarmos & compreendermos Deus &
seu Cristo, que nos concedem esse dom? Oremos, irmãos. Peçamos a graça da
prudência que discerne ao nosso Pai.
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