quinta-feira, 8 de agosto de 2013

II Conversão


                                                                    II

O despotismo dos antifilósofos, daqueles abutres que devoram incansavelmente os corpos moribundos dos apologistas da verdadeira sabedoria flagelados & cravados no madeiro, sempre açoitou minhas frágeis espáduas nas universidades & nas instituições culturais, onde a palavra Cristo soa como o pior palavrão em uma ditadura sob a qual as únicas vozes permitidas são aquelas dos sofistas, desses homens bestiais que trajam a trevosa plumagem dos abutres & exalam o bodum de uma moral de senhores, que veem na fé cristã uma rebelião de escravos esgotados & descontentes com a crueldade do mundo, que, para eles, é puro conflito sem redenção.

Que os homens serventes a muitos deuses cheios de desejos violentos & libidinosos nos odeiem, não nos assusta mais do que a possibilidade de silenciarmos diante do Cordeiro Crucificado, abandonando-O, quando Ele não nos abandonou, salvando-nos com a forma de Sua vida, pois o Reino dos Céus, cuja evangelização era livremente um dever de nosso Deus, Jesus Cristo, é como um homem que semeia boas sementes (pois Donde a origem da Criação, & Aonde ela se dirige, senão de Deus & para a colheita, na qual a cizânia & o grão serão separados por Cristo & suas milícias angélicas, para ajuizamento de quem será levado com Ele para a glória eterna do Pai?).

Um ancião encontrado na praia pôde me provocar uma enorme crise de questionamentos, pois demonstrou a mim, que já havia peregrinado por Platão, Aristóteles & Cícero, investigando acerca da Verdade, que sozinho eu não saciaria com minhas próprias forças minha sede de conhecer o divino, aspiração bastante soberba mesmo para um platônico (que se humilha ao dizer que ama a sabedoria, mas que só os deuses são sábios). Porque somente pela exortada oração a Deus Pai os portais luminosos se abririam para o verdadeiro Filósofo, dirigido para encontrar o caminho do Criador pelas sábias palavras dos antigos profetas & dos filósofos, pois se o ancião fora breve em suas exortações indicativas, longo seria o itinerário filosófico nessa investigação inquisitiva da Verdade, a qual culmina na fidelidade ao Crucificado, pois Jesus Cristo veio ao nosso encontro para que encontrássemos a arte bela de viver com retidão. Ora, viver com retidão moral é uma expressão que soa tão harmoniosa para aqueles que são incapazes de conceber o belo moral, que já vejo as presas venenosas da víbora infernal planejando uma emboscada contra todo aquele que age de modo reto, & não tortuosamente como as bestas que rastejam sussurrando que nossa fé cristã não coaduna com a eudaimonia dos epicuristas & dos estoicos. De fato, nem desejamos o atomismo ateu & o hedonismo dos primeiros, nem o pessimismo & o ódio suicida contra o corpo dos segundos, tão preocupados com sua glória humana & desconhecedores da eterna glória de Nosso Senhor.

Porque Jesus Cristo é a plenitude do projeto de Deus Pai, concretizado na criação & na salvação, porque Cristo é o eterno Verbo, a eterna Razão, a criadora Razão, é LOGOS. Como criatura humana, união de uma alma racional a um corpo humano, como homem, eu trago comigo uma semente de Deus Criador, podendo colher fracos clarões da radiante Verdade. Na Lei antiga, o LOGOS manifestou-se nos profetas ao povo de Israel, & em parte Ele também se manifestou nos filósofos gregos, aos que chamaríamos de sementes de verdade (como a escatologia das almas em Platão, que, se prenunciava no Além um Inferno, um Purgatório e um Paraíso para as almas que viveram ou viciosa ou virtuosamente no Aquém, dissolvia essa estrutura numa influência gnóstica órfica incompatível com a ortodoxia dos Padres da Igreja). Contudo, como Cristo é histórico & pessoal (Deus & homem em uma só pessoa no centro da história humana), com Justino Mártir podemos ajuizar o que há de belo no que foi expresso pelos filósofos gregos, pois é pertença dos cristãos. Porque Cristo é a Sabedoria, é dever do fiel cristão não contrastar a filosofia grega com a verdade dos Evangelhos, mas fazer com que se encontrem de modo benigno, exigindo-se, porém, um prudente discernimento: que o cristianismo seja a única & verdadeira filosofia, pois ela se origina do & conduz ao LOGOS, sendo o único amor pela sabedoria confiável & proveitosa, porque amor pela palavra de Cristo.

Como se enraivecem os dionisíacos, os trágicos! Como se debatem contra nós os adoradores dos combates no Circo Máximo, os bacantes em suas horripilantes orgias, os idólatras em seus cultos a deuses cobiçosos, invejosos, ambiciosos, tirânicos, cruéis & vingativos! Como racionalmente a Igreja dos primórdios optou pela filosofia grega, em especial Platão, julgo serem verdadeiros tiranos & senhores da verdade que não se justifica por argumentos, mas pela força, os antropófagos reais que são os cultores de Dioniso, o deus devorador cuja imitação conduziu uma rainha a dilacerar & deglutir o próprio filho. Que amor pelo entorpecido, embriagado & dissoluto Baco em nossas universidades & centros culturais! “Mas queimemos”, dizem eles, “aqueles que corajosamente rejeitam qualquer compromisso com os iniciados nos rituais presididos pelo bode coroado de hera & celebrado como princípio supremo de individuação: ‘só somos nós mesmos’, afrontam-me os anjos com cara de bode, ‘quando nos dissolvemos na torrente do desregramento’.” Vade retro, Satanás! Nem que Apolo me aparecesse em sua biga, eu nem por isso não seria implacável ao afirmar que Homero, Hesíodo & Ênio são mentirosos autores de fábulas fingidas que despistam diabolicamente os que amam a sabedoria em seu caminhar com a Verdade, pela Verdade & na Verdade. Virgílio ainda pode ser lido, por sua Écloga anunciadora do Messias. Porque Platão percorria asceticamente o caminho que conduzia ao Bem Supremo, via-se defendido por um Deus que vingava os sofredores, & apontava as inconsistências morais na conduta dos deuses configurados pelos mitos homéricos. O cristianismo presente na filosofia ascende como contraste frontal contra a mitologia, para revelar a verdade do Ser: Deus. Contra a mitologia conformada em ritos, convenções & costumes, a partir do Deus do platonismo contra os falsos deuses do panteão pagão, o filósofo cristão racionalmente se decide pela verdade do ser & se contrapõe à mitologia consuetudinária. Como esbravejam as bacantes, cambaleando pelos corredores da universidade depois de uma profunda embriaguez que, além de adoecer seu corpo, lhes proíbe de pedirem perdão a Deus pelo mal que fizeram a sua natureza: ao contrário, preferem exaltar seus bárbaros costumes & nos chamar de “escravos rebeldes, ressentidos, escória de esgotados que fulminou o Império Romano”.

Com Tertuliano eu posso afirmar que Nosso Senhor Cristo é a Verdade, & que Ele não se confunde com uma moda cultural, um costume da juventude libertária, que prega a ditadura do relativismo cultural num arrogante desconhecimento de que a opção pela verdade (como visível em Platão) é a fundamentação de uma axiologia ordenadora não só da cidade terrena, mas a base para uma cosmologia que plenifica a própria alma humana. Por que não rezarmos juntos para que as portas da luz se abram para nós, para que nos seja concedida a graça de discernir prudentemente o que é verdadeiro ou falso, & assim contemplarmos & compreendermos Deus & seu Cristo, que nos concedem esse dom? Oremos, irmãos. Peçamos a graça da prudência que discerne ao nosso Pai.                                     

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